
OLAVO DE CARVALHO: A vocação é a coisa principal na vida, porque a maior parte do seu tempo você vai gastar trabalhando. Então, se você não está realizado no seu trabalho, você não vai se realizar em parte alguma. O que é este realizar-se? É você ter prazer o tempo todo? Não é possível. Por exemplo: eu tenho um grande amigo chamado Juan Alfredo César Müller, que era um gênio da psicologia clínica. Ele ficava o dia inteiro conversando com louco. Isso é um prazer? Claro que não, isso é um sofrimento atroz. Mas ele tem amor a isso. Isso, para ele, é mais importante do que a vida. Ele morre por isso. E isso é a vocação. Aquilo que é mais importante do que você. Aquilo pelo qual você morreria, como Cristo na cruz. Você acha que Cristo estava muito feliz de estar lá pregado na cruz? Ele fez por prazer ou por dinheiro? O resumo da humanidade é Jesus Cristo. Ele está lá pendurado na cruz é por amor. Não é nem por prazer, nem por dinheiro.
FMB: Muitas vezes as pessoas falam: ‘ah, tem que fazer o que
gosta’. Não é só gostar. Porque, quando você fala em amar, inclusive para as
relações amorosas, por exemplo, tem o momento em que a outra pessoa viaja e
você passa um momento de dor, de saudade, mas você passa em nome daquele ideal,
então tudo tem uma certa parte chata, mas que você faz por amor.
OLAVO DE CARVALHO: Se fosse para fazer por prazer, eu
abriria um puteiro! (Risos) Porque aí teria todas as putas à minha disposição
24 horas por dia e ainda ganharia dinheiro com elas. Mas não é isto, não é o
prazer, e também não é o dinheiro, é o amor por uma coisa que é mais importante
do que a sua vida, que vale mais do que a sua vida. Isso é a verdadeira
vocação. Nesse trabalho que eu estou fazendo, que é puramente vocacional, não
tem nenhuma concessão ao prazer ou ao dinheiro, tem momentos de grande
sofrimento e tem momentos de grande alegria. Para mim, é a mesma coisa: o amor
é o mesmo. É como você casar com uma pessoa. O seu casamento vai ser só
alegrias? Não! Vai ter tristeza, você vai compartilhar as tristezas. Então
aquilo é uma coisa valiosa para você. Então não pode ser submetido ao critério
do prazer ou do dinheiro. Mas este elemento falta na cultura brasileira. Eles
[a maioria dos brasileiros] não sabem o que é vocação.
FMB: Para a pessoa encontrar a sua própria vocação, você dá
uma dica que é importante: isso envolve o poder que muitas vezes a pessoa tem,
uma certa imunidade. Você deu o exemplo de alguém capaz de ouvir loucos todos
os dias. Muitas vezes a vocação traz esse elemento de você ser imune a alguma
coisa que, para as outras pessoas, pode ser chata.
OLAVO DE CARVALHO: Exatamente! Amor por uma coisa que é mais
importante que a sua vida imuniza você contra um certo tipo de sofrimento, que
você se torna mais capaz de suportar do que as outras pessoas. Houve uma época
em que sugeriram [ao meu filho] Pedro que fizesse um curso de enfermagem. Eu
falei: ‘Pedro, você vai aguentar? Você vai ter que lavar o saco dos caras, você
vai aguentar isso aí?’ Ele falou ‘não’. ‘Então, se você não aguenta, isso não é
a sua vocação.’ Mas para quem está naquilo vocacionalmente, todo sacrifício é
válido e é bom. Fortalece a personalidade do indivíduo. Então a gente tem de
ver qual é o tipo de sacrifício que pode fazer.
Eu, por exemplo, tenho uma resistência extraordinária à
burrice. Eu aguento doses de burrice que [se fosse] outra pessoa [no meu lugar]
mataria o interlocutor. Eu, não. Eu explico, reexplico, mil vezes, duas mil
vezes, não tem problema. Eu sou um professor, eu nasci para ensinar. E ensinar,
por definição, é ensinar o que os outros não sabem.
Agora, quando eu via o Müller trabalhando com aqueles
louquinhos, eu falava: ‘Eu aguentaria isso?’ Mas nem por dez minutos! E, no
entanto, ele trabalhava 14 horas por dia! Era um negócio assim incrível. E ele,
quando era jovem, levou um coice de um cavalo, perdeu um pulmão. Depois foi
trabalhar como gerente de uma fábrica de tinta, se envenenou, perdeu metade do
outro pulmão. Então era um homem que não tinha saúde absolutamente e trabalhava
que nem um doido. Era a paixão da vida dele. Ele se sacrificava. Às vezes eu
via: ele telefonava para o paciente às 2 horas da manhã: ‘Ô, tive uma ideia
para resolver o seu problema!’ (Risos). Era fantástico! A dedicação dele é a
mesma que eu tenho no ensino.
Fonte: www.oantagonista.com
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